quarta-feira, 23 de maio de 2007

Entre a IRA e o desejo


O irlandês Neil Jordan é possivelmente um dos melhores diretores em atividade. Suas tramas vão de um engajamento político, retratando as ações do IRA (Exército Republicano Irlandês) até a abordagem de temas humanos e universais como o amor e a amizade. Embora alguns de sus filmes dos anos 80 sejam sempre lembrados, como A Companhia dos Lobos e Não Somos Anjos, foi apenas em 1992 que a crítica internacional se rendeu ao talento de Jordan com Traídos Pelo Desejo (The Crying Game).

Considerado por muitos como um dos mais importantes e originais filmes da década, Traídos Pelo Desejo possui um roteiro minucioso e detalhista que sugere ao espectador uma trama sobre um seqüestro político, mas de repente, transforma-se em uma sensível história de amor abordando o desejo, a culpa e o remorso. Ao dar destaque ao famoso mito da rã e do escorpião, o roteiro também faz uma alusão ao amor como força da natureza e não como escolha individual. Polêmico e surpreendente, a trama reserva uma agradável surpresa na conclusão, analisado por muitos críticos de cinema como um dos melhores finais já realizados.

Em uma performance marcante, o companheiro indispensável do cineasta, Stephen Rea, demonstra uma honestidade nas emoções da personagem, o mesmo se aplica a Jaye Davidson com uma atuação complexa e ambígua. Ambos foram, merecidamente, indicados ao Oscar. Aliás, a Academia se rendeu a qualidade de Traídos Pelo Desejo, premiando-o com a estatueta de melhor roteiro original, além de ser indicado em outras cinco categorias, inclusive melhor filme, prêmio perdido para Os Imperdoáveis de Clint Eastwood.

A fama e o prestígio alcançado por Neil Jordan proporcionou ao cineasta a entrada em Hollywood e a realização do seu maior sucesso comercial, Entrevista Com O Vampiro (1994), baseado no best-seller homônimo de Anne Rice, retratando temas como o existencialismo e a ambigüidade sexual. Depois de produções menores como Michael Collins – O Preço da Liberdade (1996) e A Premonição (1998), o diretor foi novamente elogiado pela crítica no filme Fim de Caso (1999), adaptação do escritor inglês Graham Greene. Seu último projeto, Café da Manhã em Plutão (2005), foi bem recebido, mas ficou reduzido ao circuito alternativo tanto nos EUA como no Brasil.


por Leandro Gantois

domingo, 13 de maio de 2007

Os demônios de Truffaut



O caos, o desespero... a incompreensão

Mikhail Kalatozof, cineasta russo muito famoso em seu país de origem, nunca imaginaria que o prestigio de ganhar a Palma de Ouro em 1957, possibilitaria o produtor Ignace Morgenstern realizar o primeiro longa-metragem do genro, um jovem cineasta francês. Muito menos, que esse mesmo jovem, viria se tornar um dos mentores de uma corrente que revolucionaria a cinematografia francesa: a Nouvelle Vague.
Lançado em 1959, Os Incompreendidos (Les Catre Cents Coups), marcou a estréia de François Truffaut na direção de cinema. Marcou também, a projeção internacional do movimento de cinema novo francês, pregando o cinema autoral, barato, e expressando o desejo de mudança na realização de filmes comerciais no país do cinema.
No livro, Los Cuatrocientos Golpes*, a pedagoga espanhola, Esther Gispert, faz um complexo estudo crítico sobre o filme quase autobiográfico de Truffaut, analisando as entranhas da psique do personagem Antoine Doinel, alter-ego do cineasta.
Esther relata que, antes de ser apadrinhado pelo crítico André Bazin, um dos fundadores da revista Cahiers du Cinema, a mesma que ajudaria Truffaut a se tornar um dos maiores críticos que o mundo já leu, o cineasta viveu uma vida difícil, assim como seu personagem. François, que como Antoine, nasceu em Paris, não era bem quisto no seio de sua conservadora família. Não tratado, como ele próprio descreve, encontrou refúgio nas salas da cinemateca francesa, onde fez escola. Uma vida marcada por incertezas.
Para compor o texto de seu primeiro filme Truffaut escalou Marcel Moussy, importante roteirista da época, que desenhou os diálogos os quais, no roteiro original, estavam a cópia fiel da vida do diretor francês. A exemplo da figura materna do filme, que é fria, indiferente e autoritária, reflexo da conturbada relação de François com a mãe. Os incompreendidos é uma mescla de conflitos de causa – conseqüência, onde cada ação remete a anterior, e, por conseguinte, à posterior.
A vida de Antoine Doinel é uma teia, formada unicamente por agentes externos os quais confundem o personagem, levando-o a um desfecho trágico, ao mesmo tempo catártico. A redenção, tão bem maquiada pelo cineasta, transmite a idéia de um final feliz. Doinel, em sua corrida frenética em direção ao mar, realiza o sonho da liberdade incondicional, liberdade essa, que lhe foi roubada muito cedo. Mas, assim que volta à areia, por um momento, por uma fração de segundo, olha pra câmera que congela, revelando um rosto aflito, angustiado, perdido. É o grito de Truffaut, expurgando os demônios que o acompanharam ao longo da vida. A incompreensão, o descaso, a falta de afeto.
O filme é o retrato de uma juventude amarga, repreendida em sua própria fantasia. Jean – Pierre Léaud, que interpreta a personagem de Antoine, leva a cabo a responsabilidade de iniciar uma saga. Uma história que só teve desfecho concreto com a morte de seu criador, em 1984.

por Pedro Diniz


* Los cuatrocientos golpes – Les catre cents coups: estudio critico de Esther Gispert
Ed. Paidós Barcelona – Espanha

quinta-feira, 3 de maio de 2007

Porque sisudez não é sinônimo de inteligência...

"Um cinema intelectual corre o risco de se tornar seco e abstrato... mas tem maiores chances de ser sincero..." François Truffaut